O reino de Deus e as três tendas

Estamos tratando do discipulado cristão à luz do Evangelho. Veja a série: “Como ser discípulo de Jesus”. Temos considerado o discipulado a partir da negação da religião. Por mais paradoxal que isso possa parecer, religioso não consegue jamais ser discípulo de Jesus. Depois disso a pessoa precisa saber quem é Jesus e decidir se quer ou não segui-lo. Se a decisão for positiva e definitiva, ela deve deixar não só a religião, mas negar ao “si mesmo”, tomar a sua cruz e seguir após Jesus.

A caminhada do discípulo é também transcendente, pois, enquanto andamos no chão do Evangelho neste mundo caído, buscamos as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensamos nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra. Assim é que Jesus introduz os seus discípulos ao entendimento da verdadeira espiritualidade quando os faz passar pela experiência da transcendência no monte santo. Moisés, Elias e os discípulos experimentaram a glória de Deus unindo a história e os dois testamentos na pessoa de Jesus. Quando Jesus disse: "O meu reino não é deste mundo", ele estava nos chamando para dimensões maiores e não para fazer parte de uma religião ou instituição controlada por ideologias humanas em nome de Deus. Seguir Jesus é uma experiência transcendente.

A transfiguração de Jesus no monte (Mateus 17.1-8) mostrou aos discípulos que a transfiguração é uma experiência contínua dos seguidores de Jesus, como mostra Paulo em 2 Coríntios 3.18: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. Lá no monte estavam três discípulos, mas hoje, todos nós, com a cara para fora, podemos contemplar (não perfeitamente ainda) a glória do Senhor e sermos transformados, de glória em glória, à semelhança de Jesus por uma ação permanente do Espírito Santo em nós. Esse é o projeto de Deus para os discípulos de Jesus: fazer-nos parecidos com seu Filho, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas. Quando Paulo escreveu: "E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus", ele estava falando da experiência contínua da transfiguração em nós.

Todos os que estavam no monte foram envolvidos na nuvem de glória com Jesus. Moisés, Elias, e os discípulos não ficaram apenas na contemplação da transfiguração; eles foram envolvidos nela. Isso nos diz que a espiritualidade do discípulo acontece na história e na geografia da existência onde o discípulo pisa. Nesse sentido, onde pisar a planta do nosso pé é terra santa, porque tudo é puro para os puros. O que aconteceu no monte mostra que tudo pode ser santificado: a nuvem que os envolveu já estava ali porque eles se encontravam num monte alto, o rosto de Jesus resplandeceu como o sol, sua roupa usada no dia a dia brilhou como a luz e tudo aconteceu sem nenhuma liturgia. Mas, nada disso fundamenta a ideia religiosa dos crentes de que no monte Deus se revela mais. Enquanto eles estavam ali, os outros discípulos estavam no vale enfrentando um demônio noutra dimensão de espiritualidade.

A transfiguração também revela que a vida do discípulo é centrada em Jesus, como falou o Pai: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi”, sem nenhuma fobia do divino, como acontecia no Antigo Testamento. Quando os discípulos caíram de bruços, tomados de grande medo, Jesus aproximou-se deles, tocou-lhes, e disse: “Erguei-vos e não temais”. Que coisa linda: Jesus envolveu seus discípulos na Glória Excelsa e ordena que os discípulos não contassem a visão para ninguém. Quem anda com Jesus não precisa fazer propaganda de si mesmo nem se autoglorificar à medida que o Senhor vai se revelando de glória em glória em sua vida. O espírito da transfiguração atinge todas as coisas o tempo todo.

A espiritualidade demonstrada na transfiguração evidencia a natureza do Reino de Deus. Uma semana antes Jesus havia dito aos discípulos: “Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino”. Mas, o que é o reino de Deus? A mentalidade religiosa sempre entende reino de Deus como sinônimo de igreja, de atividades eclesiásticas, programação, ministérios; mas essa é uma visão distorcida do reino de Deus. Se você é membro de qualquer igreja e acha que estou exagerando, experimente deixar de frequentar a igreja por um tempo. De duas uma: ou você pira fora do “reino”, ou o “reino” (igreja) lhe cassa por você ter se desviado do “reino de Deus”. A igreja-instituição é a mediadora entre os crentes e Deus, tal é o engano.

Caio Fábio resumiu bem a diferença entre a Igreja de Cristo e a igreja-instituição: “Tenhamos pois em mente o seguinte: O compromisso de Deus é com a Igreja que Cristo instituiu como expressão central e orgânica do seu Reino na História presente, e não com a igreja que os homens instituíram para funcionar como seu feudo religioso e instrumento dos seus caprichos”. A igreja evangélica tem caído na mesma armadilha do farisaísmo judaico. O reino de Deus não é o mesmo que o sistema religioso que impera nas igrejas. Para os religiosos dos seus dias Jesus disse: “Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus”. “Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes”. Jesus aqui falava do reino religioso.

O reino de Deus é amplo, é abrangente; nada foge de sua presença. O reino de Deus não está circunscrito a nenhum local sagrado limitado ou demarcado por uma instituição religiosa como se imagina. Mesmo tendo o Novo Testamento que diz o que precisamos saber, ainda vemos multidões acreditando que precisam ir a um determinado lugar para ouvir de Deus e serem membros de uma instituição religiosa para pertencer ao reino de Deus. Essa tendência de domesticar Deus, de colocá-lo numa redoma, de controlá-lo com doutrinas, sistemas, regras e estatutos vem desde os primeiros discípulos. No clima da transfiguração em pleno monte, Pedro propõe construir três tendas; uma para Jesus, outra para Moisés, e outra para Elias. Pedro queria fazer ali um pequeno Vaticano, uma sede mundial, nacional, estadual, ou local. O espírito de catedral, de templo, de prédio religioso já estava incutido nos primeiros discípulos.

O reino de Deus está dentro de nós e não no prédio chamado igreja. O reino de Deus se manifesta com amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio, e não com programas religiosos estéreis. O reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. Como seria bom ver pessoas vivendo o espírito permanente da transfiguração no reino de Deus dentro de nós e em todos os lugares e circunstâncias da vida e não nas tendas religiosas cheias de caprichos humanos, tradições fúteis e ritos de barganhas abomináveis aos olhos de Deus. Enquanto Pedro falava sobre a ideia imbecil de fazer tendas, uma nuvem os envolveu; e da nuvem veio uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi”. O reino de Deus está próximo. Moisés passou, Elias passou, o reino chegou, e Jesus é tudo para todos.

Antonio Francisco – Cuiabá, 22 de fevereiro de 2014 – Voltar para Como ser discípulo de Jesus.

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