Porque saí da igreja

Fui membro da igreja evangélica por mais de trinta anos, e apraz-me dizer que sair de lá foi uma das melhores experiências da minha vida, graças a Deus. Uma coisa é discordar na igreja; outra bem diferente é sair da igreja para andar com Jesus e as pessoas conforme o Evangelho. Deixei o consumismo e a dependência de igreja como um modo de viver, depois de tantos anos. A igreja me adoeceu e estava me matando, mas fui salvo a tempo. Sair da igreja pode ser a melhor saída.

Gastei a minha juventude e os meus anos de maior vigor na produção da igreja. Aprendi que um pastor tem que fazer a igreja crescer e deve ser sempre agradável; mas nunca me impressionei com essas coisas, e isso incomodava a muitos. Aliás, esse foi um dos motivos dados para não me quererem mais no pastorado. A igreja cresceu, mas tinham que usar alguma coisa contra mim. É assim que funciona a administração das igrejas evangélicas, o pastor tem que mostrar serviço e deixar os crentes sempre satisfeitos.

Meu novo nascimento pela fé em Jesus foi inconfundível, mas abracei a crença evangélica bem antes de criar raiz e convicção de acordo com as Escrituras. Cheguei à igreja e me amoldei ao sistema como acontece com todos, caso contrário não pode ficar entre os "santos". Nada questionei, afinal de contas era um perdido que chegava para a Casa de Deus para ser mais um membro da família dos escolhidos. Entrei de cabeça e me dediquei de todo o coração.

Tinha dezesseis anos de idade quando me converti a Jesus. Dentro de um ano me tornei professor da Escola Bíblica Dominical, liderei o departamento de jovens, pregava nos cultos, e substitui o pastor no púlpito por ocasião de suas viagens. Tornei-me um evangelista fervoroso, visitando vilas e povoados, pregando em praças, presídios e rádios.

Casei-me aos dezenove anos e uma semana depois viajei mais de três mil quilômetros com minha esposa para estudar teologia num seminário interno. Fizemos essa mudança sem garantia financeira. Fui um aluno aplicado, com notas boas e desempenho destacado; li muito a Bíblia e livros de teologia naqueles anos e avantajava-me a muitos que pareciam ser de maior influência; fui orador da turma de formandos, pastoreei quatro igrejas, tendo ficado vinte e um anos na última, antes de deixar a igreja evangélica.

“Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos”. (Fp 3.7-11).

Em retrospecto continuo crendo no que cria antes, porém deixei definitivamente aquela crença sistemática formalizada pela igreja institucional. Não guardo rancor daqueles anos, não tenho saudades, mas não posso negar que passo por ondas de nostalgia pelo costume, hábitos, a segurança que a estrutura me dava e que perdi da noite para o dia. Não tenho motivação para falar contra a denominação que me acolheu por tantos anos, mas não voltaria para lá, até porque não me suportariam defendendo apenas o Evangelho de Jesus.

A igreja deixa você dependente da máquina religiosa criada para ser usada como alguém que vai ao shopping buscar o que precisa para o consumo. Mas, como no supermercado, ninguém recebe nada de graça, tudo tem um preço e você é cobrado toda vez que vai àquele lugar de encontro chamado igreja. As pessoas consomem igreja como um viciado consome droga; ele precisa cada vez mais e nunca fica satisfeito; ou como um adolescente que se diverte na Internet, porque a igreja há muito tempo se tornou um lugar de entretenimento. Os encontros religiosos são programados para divertir as massas incautas e adormecidas.

A igreja cobra muito e diverte bastante, ainda que tantos sejam apenas usados e de nada desfrutem que mereça o nome de vida abundante. Mas o sistema gera uma sensação de segurança, legitimidade e premiação para os participantes. Os crentes se sentem melhores e mais privilegiados que o resto do mundo à medida que servem e desfrutam do pacote engessado em nome de Deus. O “povo abençoado” vive naquele quadrado criado pela igreja como sendo a expressa representante de Deus na terra.

As igrejas funcionam como empresas onde o marketing é cada vez mais competitivo entre elas. Os consumidores de igreja não têm consciência de que estão se alimentando de um sistema humano ilusório onde eles, como simpatizantes de uma grife, vestem aquela marca, comem aquele produto e com isso se sentem muito bem, assim como o torcedor de um time que ver o seu clube chegar ao final do campeonato. As bênçãos são classificadas pelo consumo: “a mensagem falou comigo”, “o louvor me tocou”, “meu ministério está crescendo”.

Leia os Evangelhos e procure em Jesus e nos seus apóstolos esse espírito consumista, a disposição de agradar e entreter as multidões, o controle das pessoas, a sensação de legitimação, superioridade e segurança em seguir os passos do Mestre, e você não encontrará isso. Olhar para a igreja à luz do Novo Testamento me fez desistir de tudo que está aí como igreja. Fiz isso consciente e convictamente sem jamais olhar para trás.

Visite uma igreja evangélica no domingo e você será atraído pelo ambiente, pela simpatia das pessoas, e talvez queira voltar na próxima vez. Tudo é feito para agradar, até que você se associe e perceba que tem que consumir para receber o que só Deus pode dar. O consumo não envolve apenas dinheiro, mas “consagração” em campanhas, ministérios, vigílias, jejuns e sacrifícios para ser abençoado. Você vai perceber que quanto mais você se dá a esse povo, mais sozinho se sente; os de fora da igreja não servem mais como amigos, e os de dentro da agremiação são superficiais, sistemáticos, moralistas e impessoais.

Entendi que a igreja evangélica não é a única expressão do povo de Deus na terra. Os filhos de Deus estão por toda parte, pois o Espírito de Deus sopra onde quer; entendi que ser de Jesus não é frequentar cultos regulares de uma igreja organizada onde provo que sou espiritual pela minha assiduidade; entendi que crença não é sinônimo de fé; entendi que ser de Jesus não é se afastar do mundo, mas é se envolver com as pessoas como o fez Jesus.

Amo os meus irmãos evangélicos, e na verdade não saí da Igreja, pois sou igreja, sou membro do Corpo Vivo de Cristo. O que deixei para trás foi a igreja institucionalizada; saí da igreja denominacional, hierárquica, militarista, empresarial, sistemática, reguladora, padronizadora. Os odres se romperam diante de mim e saí para o mundo como Jesus.

Antonio Francisco - Cuiabá, 13 de agosto de 2013 – Voltar para Um novo caminho.

Comentários