Ame os seus inimigos

Acredito que não resistir ao perverso e amar os inimigos sejam os pontos mais altos da vida extraordinária no Sermão do Monte (Mt 5-7). Depois de falar do caráter cristão nas bem-aventuranças, também da influência dos discípulos como sal da terra e luz do mundo, da lei, na justiça que excede a justiça dos escribas e fariseus – Jesus fala do homicídio, do adultério e divórcio, dos juramentos, da vingança, e termina falando do amor aos inimigos. Assim fala o evangelho de Jesus para nós.

5.43 Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 5.44 Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; 5.45 para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. 5.46 Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? 5.47 E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? 5.48 Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste. (Mateus 5.43-48).

A Bíblia não diz que devemos odiar os nossos inimigos; isso é coisa da religião sem Deus, mesmo que para isso faça uso de seu nome e das Escrituras de forma distorcida. Ao contrário do ódio, a lei falava do amor ao próximo como a nós mesmos: “Não aborrecerás teu irmão no teu íntimo; mas repreenderás o teu próximo e, por causa dele, não levarás sobre ti pecado. Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR” (Lv 19.17-18). O problema é que os rabinos ensinavam que o “próximo” incluía apenas familiares, amigos, judeus, ou alguém da minha religião.

Esse entendimento ignorava o que dizia a própria lei: “Quando também segares a messe da tua terra, o canto do teu campo não segarás totalmente, nem as espigas caídas colherás da tua messe. Não rebuscarás a tua vinha, nem colherás os bagos caídos da tua vinha; deixá-los-ás ao pobre e ao estrangeiro. Eu sou o SENHOR, vosso Deus. Como o natural, será entre vós o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-eis como a vós mesmos, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o SENHOR, vosso Deus” (Lv 19.9-10, 34). Sem querer me prolongar tanto nesse ponto veja mais algumas citações mostrando que o tratamento dado ao boi ou jumento de um irmão, deveria igualmente ser dado ao do inimigo: “Vendo extraviado o boi ou a ovelha de teu irmão, não te furtarás a eles; restituí-los-ás, sem falta, a teu irmão. Se teu irmão não for teu vizinho ou tu o não conheceres, recolhê-los-ás na tua casa, para que fiquem contigo até que teu irmão os busque, e tu lhos restituas. Assim também farás com o seu jumento e assim farás com as suas vestes; o mesmo farás com toda coisa que se perder de teu irmão, e tu achares; não te poderás furtar a ela. O jumento que é de teu irmão ou o seu boi não verás caído no caminho e a eles te furtarás; sem falta o ajudarás a levantá-lo” (Dt 22.1-4). “Se encontrares desgarrado o boi do teu inimigo ou o seu jumento, lho reconduzirás. Se vires prostrado debaixo da sua carga o jumento daquele que te aborrece, não o abandonarás, mas ajudá-lo-ás a erguê-lo” (Êx 23.4-5).

As guerras ordenadas por Deus e os chamados salmos imprecatórios podem ter sido usados pelos escribas e fariseus como concessão para se odiar os inimigos, mas isso não tem nenhuma ressonância nos ensinos de Jesus. As guerras de Israel contra nações totalmente depravadas foram as únicas guerras santas da História humana, e elas foram circunstanciais. Quanto aos salmos imprecatórios, podemos dizer que demonstravam um zelo espiritual que estava aquém do que encontramos em Jesus, e que portanto não devem ser adotados como base para se odiar ninguém. Ou alguém acha que as palavras do Salmo 137.8-9 têm lugar na vida de um discípulo de Jesus em relação a algum inimigo? “Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”. O discípulo de Jesus não fala assim.

Jesus mais uma vez contestou o ensino dos escribas e fariseus dizendo: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”, porque para ele meu próximo não é apenas uma pessoa de minha pátria, classe social ou religião, como exemplificado na parábola do bom samaritano (Lc 10.30-37). Nosso próximo é todo ser humano, inclusive nossos inimigos.

Jesus disse: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam... Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga” (Lc 6.27, 35). Esse amor pelo inimigo não depende de sentimentos, aliás, quem esperar sentir amor pelo inimigo, certamente nunca o amará, pois não depende do sentir, mas, do agir fazendo o bem por aqueles que nos odeiam e nos perseguem, porque foi assim que Deus provou seu amor por nós, quando ainda éramos seus inimigos (Rm 5.8-10).

Enquanto o inimigo invoca o mal contra nós para nos amaldiçoar, Jesus nos ensina a bendizê-los, invocando a bênção de Deus sobre suas vidas. Ninguém consegue orar pelo inimigo sem amá-lo, e para orar por ele basta obedecer ao que Jesus disse. Amar o inimigo, fazer-lhe o bem e suplicar a Deus em seu favor extrapola o ordinário e entra na categoria do extraordinário, exatamente a dimensão por onde anda o discípulo de Jesus, porque foi isso que ele disse: “Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais?”. Ou como diz a Tradução Brasileira: “Que fazeis de especial?”. A vida extraordinária é a marca dos que vivem para Deus.

Amar os iguais é normal até entre os mesquinhos, gananciosos e maus. Jesus não estava falando do óbvio, mas daquilo que é próprio dos bem-aventurados que excedem em muito a justiça dos escribas e fariseus. Ao perverso Jesus disse que não devemos resistir, e ao inimigo que devemos amar, pois é assim que provamos que somos filhos do Pai celeste, “porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos”. Jesus nos chama a fazer o que ninguém espera que façamos, ou seja, que amemos os nossos inimigos e oremos em favor dos que nos perseguem. Essa é a loucura santa do evangelho.

Aqui cabe uma pergunta: Quem são os inimigos de um seguidor de Jesus? Obviamente são aqueles que são contra ele, porque não se espera que um discípulo de Jesus seja contra alguém ao ponto de tê-lo como inimigo. O inimigo pode estar entre os amigos, em casa, na igreja, no trabalho, na escola, na vizinhança, enfim, em qualquer lugar. Um cristão não pode amar apenas os seus iguais, os seus irmãos de fé, amigos e concordantes. Identificar-se como crente com esse perfil é portar-se como um bom pagão que não conhece o evangelho. O amor do cristão não é como amor de torcedor de futebol que tem como inimigo todo aquele que torce por outro time. O seguidor de Jesus ama os diferentes, os contradizentes, e os inimigos.

Jesus conclui esse parágrafo do amor aos inimigos dizendo: “sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”. Como ser perfeito como Deus senão amando a todos! “Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4.8).

Antonio Francisco - Cuiabá, 15 de março de 2013 – Voltar para A vida extraordinária.

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