Justiça

As bem-aventuranças provocaram nos discípulos a impressão de que a lei tinha chegado ao fim; tamanha foi a novidade apresentada por Jesus. Ele mostra uma radical mudança de valores entre o que o povo e a religião pensavam ser agradável a Deus e o que ele mostrou ser o caminho de Deus para aqueles que o seguem. A ênfase que Jesus deu na essência do ser e na influência dos discípulos parecia deixar para trás o que a lei dizia e que algo completamente novo estava chegando.

17 Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. 18 Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. 19 Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. 20 Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus. (Mateus 5.17-20).

A mensagem do evangelho fez o povo pensar que Jesus veio anular a Lei, mas Jesus não veio para revogar a Lei ou os Profetas; ele veio para cumprir. E, conquanto nada possa interferir entre Jesus e os seus discípulos, não fomos ensinados a ficar indiferentes diante da Lei do Antigo Testamento. Pelo contrário, Jesus deixa claro que aquele que se compromete com ele compromete-se também com a Lei. Em outras palavras, ser comprometido com a Lei não torna ninguém discípulo de Jesus, mas o discípulo de Jesus não pode ignorar a Lei. A essa altura surge a questão: Nosso compromisso é com Cristo ou com a Lei? Ou, é com Cristo e com a Lei?

Não é possível ler o texto de Mateus 5.17-20 e não entender que tudo da Lei deve ser cumprido; que violar e ensinar ainda que o menor dos mandamentos compromete a vida da pessoa; mas, quem obedecer e ensinar os mandamentos de Deus será considerado grande no reino dos céus. Jesus não estava falando de subjetividades; ele disse que nossa justiça deve exceder em muito a dos mais devotos religiosos de seus dias, caso contrário não entraremos no reino dos céus.

O texto que estamos considerando diz que Jesus veio para cumprir a Lei. Ele não falou contra a Lei, pois ela é boa e é de Deus; ele a endossou e a cumpriu em seu todo, em cada i e cada til. A Lei exigia cumprimento e Jesus fez isso com perfeição na vida e na cruz; para isso nasceu sob a Lei (Gl 4.4). A Lei era a sombra da realidade cumprida em Cristo (Cl 2.17). Tudo na Bíblia foi escrito para o nosso ensino, mas nem tudo na Bíblia continua vigorando como prática de vida. O Novo Testamento é a melhor interpretação do Antigo Testamento.

O que distingue o cristão do judeu não é a Lei, mas, “a justiça que excede”. Os escribas e fariseus se esforçavam para cumprir a Lei dos mandamentos, mas sempre falhavam. Porém, a justiça do cristão que excede a justiça deles é perfeita, pois é cumprida em Cristo. A justiça do cristão é a justiça de Cristo, é o próprio Cristo. Esta é a mensagem do Novo Testamento: “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem; porque não há distinção” (Rm 3.21-22). “Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê” (Rm 10.4). “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1.30). “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Fp 3.8-9).

Jesus disse aos fariseus: “Vós sois os que vos justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece o vosso coração; pois aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus” (Lc 16.15). A justiça dos religiosos é externa, a justiça do cristão é interna, a justiça do coração; a justiça dos religiosos é para os homens, a justiça do cristão é para Deus. As leis de Deus estão gravadas no coração dos cristãos e são obedecidas mediante o poder e a direção do Espírito Santo. Por isso, os mandamentos de Deus não são penosos (1Jo 5.3) e o jugo de Jesus é suave e o seu fardo é leve (Mt 11.28-30). A justiça que excede é a justiça dos que nascem de novo (Jo 3.3, 5).

Fique bem entendido que Jesus não foi contra a Lei ou o Antigo Testamento. A lei não é pecado. A lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom. A lei é espiritual; nós é que somos carnais, vendidos à escravidão do pecado; sabendo que em nós, isto é, em nossa carne, não habita bem nenhum. Somos desgraçados, e por natureza filhos da ira de Deus. Mas, graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. Ele cumpriu a Lei de Deus, e nele, cumprimos também, não havendo mais em nós nenhuma dívida para com Deus, exceto a obediência devida como filhos. Como já foi dito: "A Lei nos manda a Cristo para a salvação, e Cristo nos manda de volta à Lei para a santificação".

Depois de dizer que não veio revogar a Lei ou os Profetas, veio cumprir, e que: “até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra”, Jesus exemplifica “a justiça que excede” na vida de seus discípulos, citando várias situações do Antigo Testamento que são ecos da lei mosaica (Mt 5.21-48). Jesus nunca foi contra a Lei, e sim contra as distorções feitas pelos escribas e fariseus. Agora, ele mostra que uma vez cumprida toda a justiça de Deus por ele, seus discípulos que devem ser semelhantes a ele, devem vivenciar os valores da Lei numa dimensão bem maior e mais profunda que ultrapassam as exterioridades religiosas. Somos salvos pela graça mediante a fé para boas obras, e não salvos pelas obras da Lei para sermos aceitos por Deus. O cristão não vive de mandamentos, mas de relacionamento com Deus; nisso ele vive os mandamentos por amor a Jesus. O cristão não faz a vontade de Deus para ser filho; por ser filho, é que ele faz a vontade de Deus.

“A justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé” (Rm 1.17). Deus nos aceita pela fé na justiça que procede de Jesus. Ele é o Justo que cumpriu toda a justiça de Deus para que, crendo nele fôssemos aceitos diante da justiça de Deus que exigia a punição de nossos pecados. Assim, somos justificados pela fé, e pela fé vivemos diante de Deus. Qualquer zelo por Deus sem entender essa verdade central do evangelho é vão. Os que ignoram a justiça mediante a fé em Jesus e estabelecem sua própria justiça, caem na religiosidade estéril e mortal.

Antonio Francisco - Cuiabá, 9 de fevereiro de 2013 – Voltar para A vida extraordinária.

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