A Anarquia do Evangelho

Anarquismo, do grego ἀναρχος (anarkhos), significa “sem governantes”, é uma filosofia política que engloba teorias, métodos e ações que objetivam a eliminação total de todas as formas de governo compulsório. De um modo geral, anarquistas são contra qualquer tipo de ordem hierárquica. Há diversos tipos e tradições de anarquismo. Mas, não estou falando dessa teoria social e movimento político, presente na história ocidental do séc. XIX e da primeira metade do séc. XX.

Porém, ouso dizer que o Evangelho provoca um tipo de anarquia que contraria todo o sistema religioso vigente. Jesus se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras. Isso equivale dizer que a Igreja deveria ser a sociedade alternativa, oferecendo ao mundo uma autêntica contracultura cristã. Isso seria revolucionário, pois o estilo de vida proposto pelo Evangelho não cabe em nenhum sistema condizente com os padrões humanos. Por isso é que digo que o Evangelho é anarquizante, sem controle, e sem domínio de quem quer que seja. O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito. O homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém, porque ele tem a mente de Cristo. Essa é a anarquia do Evangelho, uma loucura santa que extrapola os quadrados da religião.

Jesus chocou todas as expectativas do seu tempo. Ele era escândalo para os judeus e loucura para os gregos. O povo de Israel lhe esperava ansiosamente, mas não o recebeu quando ele se manifestou. O próprio João Batista, enviado por Deus para anunciar a chegada do Messias, mandou perguntar-lhe: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?”. Mas, havia quem o identificasse, como André, que disse para o seu irmão Simão: “Achamos o Messias (que quer dizer Cristo)”. Por ocasião da multiplicação dos pães e peixes, Jesus parece ter corporificado os pensamentos dos judeus, como um rei popular. O povo ficou excitado e quis proclamá-lo rei, mas ele retirou-se sozinho e não aceitou a homenagem.

Jesus era grande demais para as idéias de Israel. Na profecia de Isaías ele foi chamado de “Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”. Os judeus quiseram lhe apedrejar quando disse: “Eu e o Pai somos um”. Eles diziam que Jesus estava blasfemando, porque, sendo homem, se fazia Deus a si mesmo, e isso era intolerável para a crença fixa da nação: “Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor!”. Jesus se colocou acima das figuras mais ilustres do povo judeu, como, Abraão, Jacó, Moisés, e isso o povo não tolerou. O templo era um lugar sagrado onde Deus habitava nas suas câmaras interiores, mas Jesus disse: “Aqui está quem é maior que o templo”. Ele também disse: “E eis aqui está quem é maior do que Jonas”. “E eis aqui está quem é maior do que Salomão”. Desse modo Jesus se declara maior que os patriarcas, profetas, sacerdotes e reis. Ele é Deus, mas Israel não suportou ouvir isso.

Jesus se tornou uma pedra de tropeço e rocha de escândalo para o seu povo. Ele tinha tudo para não dar certo, do ponto de vista humano. Nasceu entre animais e poucos testemunharam aqueles primeiros dias e meses. Foi criado numa pequena cidade do norte do país onde ninguém esperava que saísse alguma coisa boa, e viveu na simplicidade de uma família comum. Quando começou seu ministério público, aqueles que lhe conheciam desde menino escandalizaram-se dele. Se por um lado ele era grande demais aos olhos do povo; por outro, ele era humilde demais para ser o Messias prometido e tão aguardado pela nação. Diante de um governante que o povo odiava, Jesus disse: “Dai, pois, a César o que é de César...”. Muitos de seus milagres foram realizados em lugares reservados, diante de poucas pessoas, e ainda ouviam recomendações para não falarem do que tinha acontecido. Ele viveu de modo tão discreto que os judeus chegaram a perguntar-lhe: “Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se tu és o Cristo, dize-o francamente”. Ele viveu do que lhe era dado.

Para o mundo de sua época, Jesus parecia um louco. Ele contrariava com sua vida e com seus ensinos os padrões de sabedoria, ética e bom comportamento ensinado pelos sábios de seus dias, incluindo a filosofia grega tão difundida. Ele não foi compreendido por sua família que pensou ter ele enlouquecido, e até mesmo dentro do círculo apostólico ele enfrentou oposição. João Batista questionou sua identidade como o Messias e os discípulos não compreendiam o seu jeito de lidar com os pobres, cegos, prostitutas, publicanos, crianças, e mulheres. Eles o interrogavam com frequência, e um deles chegou ao ponto de repreender Jesus quando o mesmo disse ser necessário sofrer e morrer na cruz.

O Evangelho é anarquista porque ele escandaliza essa coisa chamada Cristianismo, esse jeito doente de ser igreja. A caminhada com Jesus deixou de ser um movimento para ser um monumento. Jesus falou duro contra os religiosos de seus dias, condenando suas práticas e o modo reprovável de tratar o povo, ao mesmo tempo em que disse para os seus seguidores viverem diferente daqueles que enganavam e oprimiam as multidões em nome da fé. Jesus disse: “Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado”. Esse é o Evangelho anarquista; que tem ordem, mas não tem coerção; tem liberdade, mas não tem libertinagem; onde tudo é lícito, mas nem tudo convêm; onde mais bem-aventurado é dar que receber; onde para ser discípulo de Jesus, você precisa querer; onde você é mais forte quando está mais fraco; embora pobre, enriquece a muitos. No Evangelho anarquista eu sei que não há mais nenhuma condenação para mim, que todos os meus pecados foram perdoados, mas, sei também que em minha carne não habita bem algum.

Quem tem Jesus como Deus, não pode se conformar com a religião evangélica paganizada, mais medieval que o catolicismo antes da reforma protestante. O Evangelho é revolucionário, ele choca os engomadinhos da fé, ele desmonta os esquemas, as estratégias, os métodos, as hierarquias, as sistematizações doutrinárias. O Evangelho anarquista é simples, é livre, é sério, é vivo, é Cristo em nós, é espontaneidade, é transparência, é vida nova, é perdão, é alegria, é cruz, é tribulação, é perseverança, é confiança, é dor, é sofrimento, é cura, é JESUS.

Antonio Francisco - Cuiabá, 30 de agosto de 2012 - Voltar para Mensagens.

Comentários