Caverna de Adulão

O que vem à sua cabeça quando você ouve a palavra “igreja”? Provavelmente você pensa numa instituição religiosa histórica, com envolvimento social, econômico, político, e culturalmente identificada como povo de Deus; que tem hierarquia (clero), sócios (membros), local fixo (prédio), e sigla (denominação). Mas, é assim que Jesus e o Novo Testamento descrevem a Igreja? Certamente que não. A palavra igreja soa negativa porque deixou de ser o que nunca foi de fato.

Lendo uma passagem do Antigo Testamento esses dias, encontrei na mesma uma bela ilustração do que deve ser a igreja. Trata-se de uma ocasião quando Davi vivia um período de perseguição provocado pelo rei Saul, que cheio de inveja do moço, fazia de tudo para matá-lo. O texto mostra algumas práticas cabíveis na igreja.

“Davi retirou-se dali e se refugiou na caverna de Adulão; quando ouviram isso seus irmãos e toda a casa de seu pai, desceram ali para ter com ele. Ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens. Dali passou Davi a Mispa de Moabe e disse ao seu rei: Deixa estar meu pai e minha mãe convosco, até que eu saiba o que Deus há de fazer de mim. Trouxe-os perante o rei de Moabe, e com este moraram por todo o tempo que Davi esteve neste lugar seguro. Porém o profeta Gade disse a Davi: Não fiques neste lugar seguro; vai e entra na terra de Judá. Então, Davi saiu e foi para o bosque de Herete” (1 Sm 22.1-5).

Davi refugiou-se numa caverna chamada Adulão que possivelmente significa refúgio. Ele procurou um lugar de abrigo naqueles dias de aflições. A igreja deveria se prestar a esse serviço, abrigar os cansados e oprimidos com a mensagem do evangelho, um convívio de amor e apoios mútuos. Aliás, as pessoas procuram as igrejas com a esperança de encontrarem ali o que não encontraram em outros lugares, mas não demoram em descobrir que as aparências enganam. Com as devidas exceções (e todos acham que são exceções), o ambiente de igreja é insuportável. Quem está falando isso é alguém que foi pastor por vinte e cinco anos na igreja evangélica e que esteve naquele meio por mais de trinta anos. Sei muito bem o que estou falando.

Nas igrejas as pessoas aprendem a viver entre a hipocrisia e a culpa. O novato não demora a perceber que aquela aparência de felicidade, de santidade, de pureza, de amor fraternal, de vida vitoriosa, não condiz com a verdade. A vida como ela é não é retratada nos cultos evangélicos, muito menos no convívio dos “irmãos”, porque a hipocrisia predomina. A pessoa recém-chegada logo entra em crise e se sente culpada por não ter aquela vida “mais que vencedora”. O que ela faz? Faz de tudo para seguir direitinho tudo o que lhe é recomendado para tentar alcançar o nível dos “iluminados” que vivem acima dos problemas da vida. Acontece que não passa muito tempo e ela descobre que aquela turma está na mesma situação que ela ou pior. Aí ela fica numa encruzilhada: torna-se mais uma hipócrita ou vive na culpa tentando “crescer na fé”. Muitos crentes vivem atormentados entre um deus nervoso e um diabo atormentado.

Quando ouviram que Davi estava na caverna de Adulão, todos os seus familiares foram ter com ele. Gosto sempre de lembrar que a igreja é um ajuntamento de famílias que reflete naturalmente o que são essas famílias que formam a igreja. Quando as famílias vão bem a igreja vai bem, quando as famílias não vivem o evangelho, a igreja entra em um daqueles estados citados acima, de hipocrisia ou culpa. É cada vez maior o número de famílias divididas em nome da fé, exatamente por desconhecerem a vivência do evangelho. Poucos podem dizer: “Eu e a minha casa servimos ao Senhor”. A vida em casa não reflete a exatidão das máscaras usadas nos cultos e no convívio dos crentes. Uma vez eu disse que os crentes vivem como se na porta dos templos tivesse uma enorme pilha de máscaras. Cada um usa a sua quando chega para os cultos e deixa na porta ao sair. O problema não está com os altos e baixos da vida, mas na hipocrisia evangélica de aparentar viver como anjo neste mundo caído.

Na caverna de Adulão ajuntaram-se a Davi todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens. Aqueles homens nas igrejas hoje viriam para participar de campanhas interesseiras com o Deus que não aceita barganhas. Por outro lado, não há lugar na maioria das “igrejas evangélicas” para pessoas apertadas, endividadas e amarguradas. Não há ambiente nas igrejas para se abrir o coração e falar de dores, doenças, e os males da vida. Só existe lugar para contar as “bênçãos”. Aqueles homens puderam se abrir, foram acolhidos e formaram uma comunidade que seguiu com Davi na caminhada.

O que fazer então? Eu de minha parte não recomendaria ninguém a frequentar igreja evangélica hoje em dia. Fico contente em saber que cresce cada vez mais o número de pessoas que estão deixando a religião dos crentes e formando pequenos grupos que se encontram informalmente nos lares, nas garagens, na praça de alimentação dos shoppings, para compartilharem suas vidas, lerem a Bíblia, orarem uns pelos outros e se apoiarem mutuamente. Tudo isso sem a conhecida parafernália evangélica com seus métodos e esquemas de crescimento. Muitas pessoas estão se convertendo ao simples evangelho de Jesus, vivendo sem chefes, sem cabrestos, sem ter que pagar mensalidade ao clube religioso, encarnando assim o evangelho na vida como ela é de fato. Minha oração é que a doce revolução de andar com Jesus seja o mais fascinante projeto de vida daqueles que ainda não entraram num templo evangélico, e que a religião estereotipada dos crentes seja despertada para Jesus, apenas Jesus.

Antonio Francisco - Cuiabá, 26 de junho de 2012 – Voltar para Um novo caminho.

Comentários

Anônimo disse…
Antonio que Deus tenha misericordia de ti e resplandeça e Seu rosto sobre ti e te de a paz!