Saindo do lixo congelado

Quando criança, a brincadeira que mais nos agradava era o “esconde-esconde”. A gente vibrava com a capacidade de se esconder dos colegas. A vontade de se esconder vem de longe, desde a infância da humanidade. Logo que Adão e Eva pecaram, tentaram se esconder de Deus. A brincadeira não funcionou naquele dia e as consequências da desobediência a Deus vieram com todas as implicações.

Desde os dias de Adão e Eva, todos nós tentamos nos esconder de Deus, dos outros, e até de nós mesmos. Essa é uma brincadeira de mau gosto, pois mais cedo ou mais tarde o nosso pecado vai nos achar porque dele ninguém se esconde.

Quando a nação de Israel foi levada para o cativeiro na Babilônia no sexto século antes de Cristo, ficou ali por setenta anos e sofreu de saudade de sua terra natal. O salmista disse que às margens dos rios da Babilônia o povo se assentava e chorava. Desde a saída de Israel de sua terra eles choravam quando foram levados pelo rei Nabucodonosor. O povo não conseguia cantar para louvar a Deus nem para atender aos nativos que queriam ouvir novas canções. Tamanho era o desânimo entre eles que chegaram mesmo a pendurar seus instrumentos musicais nas árvores. O profeta Ezequiel teve uma visão na qual via o povo de Israel num vale cheio de ossos sequíssimos. Aquela visão retratava a condição espiritual dos judeus. Eles estavam secos como aqueles ossos sem nenhuma esperança. Eles estavam como que sepultados, mas Deus prometeu abrir-lhes a sepultura onde estavam e tirá-los de lá para levá-los de volta para Israel.

O povo de Israel sepultado vivo na visão do profeta me faz lembrar uma expressão usada por uma amiga que falava dos nossos pecados como lixo congelado. É uma ilustração interessante, porque é assim mesmo que acontece com o nosso modo de lidar com os nossos pecados. Se pegarmos os intestinos de um peixe, por exemplo, e os colocarmos em um saco no nosso congelador, aquela nojeira pode ficar por muito tempo no congelador de nossa geladeira sem cheirar mal. Porém, no dia que resolvermos colocar aquela coisa congelada no sexto de lixo, em poucos minutos ninguém suporta aquela coisa podre e fedorenta. É exatamente isso o que acontece com o mal que habita em nós. Como Adão e Eva fazemos de tudo para nos escondermos até mesmo de Deus; somos capazes de viver a vida toda com nosso lixo congelado. O problema é que ele não melhora, mesmo que congelado pareça está tudo bem. O pecado não se converte.

Esse congelador que guarda o lixo do pecado é o nosso coração empedrado. Ele é enganoso, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; ninguém é capaz de conhecê-lo plenamente. Somos capazes de endurecer o coração como diamante, para não ouvirmos as palavras do Senhor. O apóstolo Paulo abriu seu coração, descongelou o freezer de sua alma e disse de si mesmo: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim” (Rm 7.18-20). Essa é a realidade de cada um de nós que não queremos confessar jamais. Mas, não compensa continuar com o lixo congelado.

Então, o que fazer? Saia do gelo, exponha-se ao sol, procure a luz. Até mesmo uma tartaruga só vai para a frente se colocar a cabeça para fora. É cômodo nos esconder e até parece ser uma brincadeira agradável, principalmente quando o esconde-esconde é para evitar mostrar nossas fraquezas, medos, complexos, ressentimentos, pensamentos perversos e pervertidos, planos maus, e uma infinidade de bichos vivos que mantemos congelados no fundo da alma, mas que continuam latentes dentro de nós. O grande desafio é admitir como Paulo quem de fato somos. A bem da verdade, pouca gente nos conhece, pois sabemos maquiar muito bem nossas deficiências. Preferimos nos manter em sepulturas que nos escondem, mas que não nos livram daquilo que mais nos prejudica – a negação da verdade sobre nós mesmos.

Jesus disse: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. A pior verdade vale mais que a melhor mentira. A “pior verdade” pode ser admitir minha hipocrisia, meu vício na pornografia, minha dupla personalidade, meu medo do imaginário, minha incredulidade ao óbvio, meu jeito estúpido de tratar a mãe, o pai, a esposa, o marido, a vida corrupta, a facilidade de enganar, de ludibriar, de passar a perna nos outros e tudo o mais que se assemelhe a isso. A "melhor mentira" pode ser mostrar uma integridade externa não condizente com minha integridade interior, gostar de pornografia mas sempre aparentar que sou contra ela, passar a ideia que sou sempre o que aparento ser sem ser, mostrar uma coragem que não tenho, não acreditar na vida eterna, por exemplo, e ainda dizer que sou cristão, ser ético e muito educado com a família em público, mas ser o contrário na intimidade do lar, defender a honestidade que não conheço, e coisas semelhantes. Temos que jogar nosso lixo no lixo todo dia até nosso encontro eterno com o Senhor.

Brincar de esconde-esconde com relação ao lixo que existe dentro de nós não funciona, ele é um flagrante para Deus e fede para nós mesmos. A ilusão é que tantas vezes ele parece vantajoso em nossas relações rarefeitas e estéreis. Mas, assim como quem anda no escuro não sabe para onde vai, igualmente quem congela o lixo dentro de si é como quem tem um tumor maligno no intestino e não quer extirpá-lo; não adianta nada, porque ele vai matar tal pessoa, ainda que no início ele não incomode, e quando começa a incomodar é tolerado, e quando não mais suportado também não ajuda mais extirpá-lo. Estou sendo duro porque quero ser claro quanto a seriedade do que a Bíblia chama de pecado e como é sério o modo como temos lidado com ele naturalmente sem nos incomodarmos. Isso não pode continuar assim.

O lixo congelado pode ser jogado fora e ser mantido assim. Cada um de nós pode tratar disso diretamente com Deus, sem intermediários humanos, sem sacrifícios, penitências ou barganhas de qualquer natureza. “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. E mais: “Se, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. Se o lixo tem a ver com meu relacionamento com alguém, o que fazer? Simples: Devo ir pessoalmente até essa pessoa e tratar com ela perdoando-a por alguma ofensa ou pedindo-lhe perdão por algo que fiz contra ela. Isso se for necessário, porque o perdão pode ser dado sem contato pessoal. Nada disso precisa de confissão auricular para um líder religioso ou uma comissão “espiritual”. Se quisermos, podemos nos livrar do lixo congelado hoje mesmo.

Antonio Francisco - Cuiabá, 11 de janeiro de 2012 – Voltar para Um novo caminho.

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