Muito mais do que números

Já se passaram alguns anos desde que li o livro “Muito mais do que números”, do Pastor Paul Yonggi Cho, pastor da maior igreja do mundo. O livro mostrava que aquela igreja tinha mais que uma multidão de pessoas. O crescimento da igreja chamou a atenção do mundo. Ela passou a ser uma referência de crescimento em todos os lugares. Crescimento numérico é o termômetro espiritual dos pastores.

Se uma igreja tem muitas pessoas é sinônimo de bênçãos, mas, se ela é pequena em número de congregados, é porque ali falta a bênção de Deus. Muitos pastores se cumprimentam perguntando um ao outro: “Quantos membros tem sua igreja?”.

Uma vez alguém perguntou para Jesus: “Senhor, são poucos os que são salvos?”. Jesus não deu a resposta esperada de “sim” nem de “não”. Ao invés disso ele disse: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão”. No final ele disse: “Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul e tomarão lugares à mesa no reino de Deus. Contudo, há últimos que virão a ser primeiros, e primeiros que serão últimos” (Lc 13.22-30). Na verdade não temos como calcular o número dos salvos, nem sabemos o que pode significar poucos ou muitos em termos de salvos na perspectiva do Reino de Deus. Os números podem simbolizar pessoas ou serem uma expressão de vaidade para as igrejas.

O Reino de Deus é incomparavelmente maior que essa mentalidade minúscula de membresia de igreja, onde os de Deus são os arrolados na lista da congregação. Os números perseguem as igrejas. Ser igreja hoje virou um guarda-chuva protetor de Deus. Depois que a pessoa adere àquela visão míope de que o povo de Deus é feito dos que frequentam determinado lugar de culto e se ajusta ao sistema adotado pela instituição religiosa, aí, pronto, ela tem no sistema da igreja todas as garantias de que é de Deus. Sair dali é ir para o mundo perdido e ficar a mercê do diabo, pois só é de Deus quem vive naquele mundinho recluso de ritos, proibições e ativismos que satisfazem aos de dentro.

Jesus orou ao Pai por seus discípulos dizendo: “Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal”. É no mundo que se vive, é na sociedade que se é povo de Deus. O sal se mistura com a terra e a luz entra no mundo. A igreja semeia a palavra de Deus em todos os lugares porque o campo é o mundo. A vida com Deus acontece na caminhada da vida e não em locais fechados, emplacados, com horários e programas elaborados conforme o gosto do freguês. O mal está no mundo e não respeita local nem horário. É vivendo em Jesus que somos livres do mal e não se imiscuindo em guetos reservados para “o povo de Deus”.

O povo de Deus não tem placa na testa, povo de Deus não tem carteirinha de identificação, povo de Deus não evita pessoas nem lugares. A pessoa que é de Deus vive como gente, e não como ET alienado no mundo onde o Filho de Deus viveu intensamente sem reservas. Jesus vivia no meio do povo e nunca rejeitou ir a qualquer lugar, entrar em qualquer casa ou receber qualquer pessoa. Quem é de Deus exala o bom perfume de Cristo por onde passa e no lugar em que estiver.

Não arrolamos pessoas porque não queremos enrolar ninguém. Entre nós não há cercas, senão a consciência dos valores internalizados do evangelho. O amor a Deus deve ser mostrado na liberdade de ser e não em condicionamentos estabelecidos em nome de Deus para segurar pessoas e controlá-las pelo medo de se perderem caso não sigam a cartilha inventada para cativar incautos e ignorantes. Não contamos ninguém porque contamos com todos. Somos iguais, sabendo que só Deus conhece os seus. Não temos a pretensão de separar joio de trigo, até porque essa incumbência não nos foi dada. Todos são aceitos entre nós sem condicionamentos anteriormente apresentados. Entre nós vale dizer: “Venha como está e fique como você é”. Ninguém entre nós é categorizado por seu comportamento. Cremos que o Evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. Acreditamos que ninguém anda conosco sem mudar, “porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12). Recebemos e aceitamos a todos crendo que Deus age em todos e por meio de todos. Toda mudança vem de Deus na vida das pessoas. A mudança que não vem dele não é mudança para a vida, mas para a morte; não é mudança para o bem, mas para o mal. Por isso, só queremos mudança onde a própria pessoa diga: “Deus fez isso em mim”.

Todos são livres para vir e para ir, pois é assim que Jesus quer. Ele disse: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará, e sairá, e achará pastagem” (Jo 10.9). Vem quem quer, fica quem gosta. Ninguém é acompanhado ou sabatinado, mas cuidamos uns dos outros; ninguém segue um programa, mas somos pela decência, “porque Deus não é de confusão, e sim de paz”. Ninguém tem que dá satisfação de sua vida a ninguém, mas confessamos os nossos pecados uns aos outros sem medo de rejeição. Entre nós não há lugar para escândalos com os erros dos outros, pois todos somos passivos dos mesmos erros, ainda que saibamos que não devemos pecar. Mas, se temos um Advogado junto ao Pai que é Jesus Cristo, por que querer ser juiz de nosso irmão? Ninguém precisa mudar para ser aceito. Pelo contrário, aceitamos uns aos outros com a esperança de que Deus nos santifique em tudo. Em outras palavras, não mudamos para ser aceitos, somos aceitos para mudarmos, conforme a vontade de Deus na vida de cada pessoa.

A Comunidade do Caminho só faz sentido se for uma comunidade terapêutica que ama a Deus e ama a todos, que não vive em função de si mesma, mas vive para ser canal do amor de Deus para todas as pessoas independentemente de cor, raça, condição social, sexo ou qualquer outro condicionamento. Jesus convida os cansados e os sobrecarregados para receberem dele o alívio para a alma. Ele quer que aprendamos dele que é manso e humilde de coração. O jugo dele é suave, e o seu fardo é leve. Assim deve ser o estilo de vida entre nós – um povo que acolhe a todos, que recebe os cansados e se alegra com a libertação dos oprimidos, que ver pessoas parecerem com Jesus no processo da santificação e que não amedronta ninguém com regras e cabrestos religiosos que nada têm do Espírito de Deus.

Não temos interesse em apresentar números, não contamos as pessoas porque contamos com todas elas para caminharmos juntos no caminho que é Jesus. O caminho é apertado, e a porta é estreita, mas a vida abundante nos mantém na certeza de que andar com Deus não é uma opção, mas a condição para viver e não apenas existir. Queremos ser como fermento que não é visto na massa, mas faz a diferença no resultado, queremos ser sal que se dissolve, mas dá sabor, queremos ser luz que aparece para criar consciência da verdade conforme o Evangelho, sempre dando razão a Deus.

Antonio Francisco - Cuiabá, 15 de dezembro de 2011 - Voltar para Um novo caminho.

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