A bênção do despejo

“Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem” (Gn 50.20). José, filho de Jacó, conhecido como José do Egito, era o filho caçula e o mais querido de seu pai; por isso foi odiado por seus irmãos que tentaram matá-lo, porém, acabaram vendendo-o como escravo para comerciantes midianitas que o levaram para o Egito onde foi vendido para Potifar, oficial de Faraó. Veja essa situação.

Apesar de todos esses acontecimentos desagradáveis, a Bíblia diz que “o Senhor era com José”. Vendo a bênção de Deus sobre José, Potifar o pôs como mordomo de sua casa, tendo assim sua total confiança.

A mulher de Potifar seduziu José sexualmente, mas ele rejeitou sua proposta. Ele foi preso por isso, mas, “o Senhor era com ele”. Depois da prisão ele se tornou o ministro da economia do Egito (a segunda pessoa do rei). Levou prosperidade ao Egito, perdoou seus irmãos e sustentou sua família numa época difícil de sobrevivência na terra de seu pai.

Pessoas de bem fariam o que pudessem para livrar José de tudo o que ele passou. Várias coisas poderiam ter acontecido para que ele escapasse de seus irmãos e não fosse levado como escravo para o Egito, ser acusado de tentar abusar sexualmente da mulher de seu patrão, e ser preso. Mas, nada, natural ou extraordinariamente aconteceu para preservar José de todos os males que lhe aconteceram. Contudo, Deus transformou o mal em bem. Isso me consola e me dá confiança, saber que Deus me espera em cada esquina, mesmo que não entenda os acontecimentos.

Hoje, desejei escrever sobre o que me ocorreu há oito meses, quando fui despejado do pastorado da igreja que pastoreei por vinte e um anos. Naqueles dias fui tratado como um estorvo, um obstáculo para aquelas pessoas. Convidei a liderança para uma reunião de avaliação pastoral, e dias depois fui comunicado que deveria me retirar sem nenhuma conversa prévia ou acordo entre as partes. Uma decisão unilateral sem nenhum fundamento estatutário ou cristão.

Tudo aconteceu a partir de minha percepção quanto a indiferença crescente e a oposição explícita ao meu trabalho pastoral por parte da igreja, principalmente da liderança. Tudo o que eu fazia era suportado, mas não abraçado, ou apoiado pela igreja. Aliás, esse foi sempre o perfil da igreja – indiferença e ingratidão. Hoje vejo isso com uma nitidez que não via enquanto estava lá. Trabalhei todos aqueles anos com amor, zelo e dedicação. Desgastei-me para fazer daquela igreja uma comunidade de pessoas fundamentadas nos valores bíblicos, mas pouco consegui.

Mas, na manhã do dia nove de setembro de 2010, entendi que as coisas deveriam ser tratadas com mais clareza. Sempre fui verdadeiro no que faço e nunca aceitei viver de aparências. Aquele convívio frio, indiferente, hipócrita e de ódio camuflado já me era insuportável. Por isso, chamei toda a liderança para conversar. Abri a reunião dizendo: “Dependendo de nossa conversa aqui hoje, continuarei ou deixarei o pastorado da igreja”. Em seguida pedi o parecer de cada um à seguinte pergunta: “O que você acha da minha continuidade na igreja?”

A resposta de cada líder jamais me daria justa causa para sair do pastorado. A vice-presidente não foi objetiva, mas deixou claro sua insatisfação comigo; o tesoureiro tomou as dores da esposa que se opunha a mim e disse que eu deveria sair porque sua filha não queria mais vir aos cultos; o diácono queria que eu liderasse a igreja como ele fazia no trabalho dele; o presbítero queria saber se eu tinha algum plano novo de trabalho para justificar minha continuidade; a esposa do presbítero estava ofendida com minhas mensagens, por isso, achava que eu deveria sair; duas outras pessoas foram favoráveis a mim; minha família que estava presente preferiu não falar, obviamente estavam do meu lado.

Depois de ouvir a todos, comuniquei em seguida que deixaria o pastorado da igreja. Falei que ficaria até o final do ano (mais três meses), para que eles procurassem outro pastor. Mas, dei liberdade para tomarem outras providências, se quisessem. No culto da noite daquele mesmo domingo comuniquei para toda a igreja minha decisão de deixar o pastorado. A reação foi de indiferença como sempre. Naquela mesma semana a liderança se reuniu sem me comunicar, e decidiu pela minha saída imediata. No sábado daquela mesma semana a vice-presidente da igreja me comunicou o seguinte: “Amanhã você agradece a igreja e não volta mais.” Ali senti uma atitude ímpia como não imaginava que pudesse acontecer.

A decisão da liderança foi arbitrária. Ela não tinha poderes para fazer o que fez. Sei que a decisão pela minha saída urgente partiu da tal vice-presidente. Não fui consultado em momento algum, apenas recebi o ultimato para me retirar do pastorado da igreja em menos de uma semana após comunicar minha decisão de sair, mesmo tendo mostrado disposição para ficar mais três meses. A liderança devia ter me consultado, até porque o presidente da região estava presente na reunião que decidiu pela minha saída. A liderança não tinha poderes para decidir o que decidiu. No mínimo deveria ter convocado uma assembléia extraordinária para ouvir e decidir com a igreja. Agiram como "donos" da igreja, o que é comum nesse meio.

Aprendi que você não deve dar poder para certas pessoas, pois elas podem usá-lo contra você mesmo. Pena que a gente só descobre isso depois que acontece. Todos nós estamos sujeitos a decepções com pessoas que eram da nossa confiança.

Eu poderia ter feito diferente do que fiz. Podia ter continuado no pastoreio até dezembro, ter convocado uma assembléia para ouvir a igreja sobre minha continuidade (e creio que seria aprovado pela maioria), podia ter trocado os membros da liderança (o estatuto me dava esse direito), poderia ter tomado providências legais que me favoreceriam. Enfim, havia opções diversas, mas, apenas atendi a decisão da Mesa Executiva, ou seja, da vice-presidente em nome da liderança. Deixei de participar dos cultos da igreja uma semana depois da reunião com os líderes. Eles não me suportavam mais, e queriam apenas uma oportunidade para expressar isso. Porém, antes de sair, convoquei uma assembléia extraordinária para o dia 31 de outubro onde oficialmente entreguei a igreja. Nesse ínterim fiquei completamente ignorado por eles - é o perfil deles.

Devo dizer que a igreja continuou pagando o meu salário até dezembro. A liderança preferiu me pagar para que eu ficasse longe da igreja. Naqueles três meses não recebi visitas, telefonemas, enfim, nenhum contato pessoal. Simplesmente me abandonaram. Foi uma grande decepção. Até hoje não houve da parte deles nenhuma manifestação cristã comigo condizente com os acontecimentos. Foi aí que vi a pequenez e a pobreza de espírito dessa gente. No acerto final com o tesoureiro lembrei-me de um salário que me fora passado por engano dois anos atrás. Já havia repassado parte da devolução, mas ao ser lembrado, o tesoureiro não pensou duas vezes para abater esse dinheiro, mesmo sabendo que a partir de janeiro eu não teria nenhum apoio financeiro. Mais uma vez vi que no meio evangélico o espírito justiceiro e o moralismo desconhecem a bondade e a misericórdia, salvo, raras exceções. A igreja simplesmente me ignorou.

Naqueles dias falaram que eu estava louco, disseram que eu perdi o rumo, perguntavam uns aos outros se o meu pastorado era vitalício. Isso para não falar da imagem que criavam de mim para os visitantes. Pessoas chegavam à igreja e naturalmente conversávamos sem dificuldades. Pouco tempo depois tinha gente com medo de mim. A igreja, principalmente a liderança, não suportava mais minha veemência no modo de conduzir a igreja. Deus fez transformações grandiosas no meu coração no sentido de ser mais maleável, mas não adiantava. Tudo o que partisse de mim, não era bem visto.

Resolvi deixar não apenas a igreja local, mas também me desligar da denominação. Ao comunicar tal decisão para o Departamento Ministerial, fui aconselhado a pedir apenas uma licença. Não aceitei - a decisão estava tomada e realmente rompi com aquela máquina religiosa que estava me fazendo muito mal. O ambiente hostil a mim era sentido no ar.

Deixei toda aquela estrutura. Só que da noite para o dia fiquei sem salário, sem dinheiro para moradia, água, telefone, plano de saúde e outros benefícios. Fiquei sem nada e sem ninguém por parte da igreja mesmo continuando a morar nas proximidades do templo. Algumas poucas pessoas (cerca de dez) nos acompanharam por não aceitarem o que aconteceu e como aconteceu. Aqueles vinte e um anos foram ignorados pela igreja. Não recebi nenhuma manifestação de gratidão nem reconhecimento. Deus sabe do que estou falando. Lembrei-me das palavras de Jesus aos frios fariseus: "Ide, porém, e aprendei o que significa: 'Misericórdia quero e não holocaustos'".

Sofri muito nesses meses com tamanha indiferença e rejeição. Mas, consegui perdoar, com a graça de Deus. Tudo está perdoado em nome de Jesus. Mas, não fiquei só. Deus não abandona os seus. Minha família é uma bênção especial em minha vida. Sou muito agradecido ao Senhor por minha esposa, filhas e genro. Os irmãos que nos acompanharam foram e continuam sendo um consolo para nós, além de novas pessoas em minha convivência.

Eu teria continuado na igreja se tivesse encontrado na manhã daquela reunião com a liderança, homens e mulheres capazes de avaliar, propor e mudar posturas. Mas, infelizmente o que encontrei ali me fez concluir que a religião mata.

Hoje sou um homem livre e sem saudade daquele passado gélido. Estou livre da religião ao ponto de não me sentir mais evangélico, pelo menos como se conhece o evangélico no Brasil. Deus tem me suprido de um modo que não tenho como duvidar que é sua provisão. Ele levantou pessoas com as quais me relaciono como gente normal. A Comunidade do Caminho tem alegrado muito o meu coração. Tenho dito que minha vida tem três fases: antes de conhecer Jesus como Senhor e Salvador, minha vida cristã no meio evangélico, e a fase atual como cidadão do mundo caminhando com Jesus e com todos que encontro pelo caminho. É difícil entender certas coisas na vida, mas, é exatamente por isso que o justo vive pela fé.

Antonio Francisco - Cuiabá, 31 de maio de 2011 - Voltar para Um novo caminho.

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