CORBÃ - O jeitinho judeu de ser crente

Há dias uma passagem bíblica não me sai do pensamento. Pensando nesse texto, observei que durante meus trinta e dois anos de vida cristã, não lembro ter ouvido uma única vez uma mensagem sobre esse assunto. Eu mesmo nunca preguei sobre ele. O que está por trás disso, consciente ou inconscientemente? É admirável como certas passagens da Bíblia nunca são explicadas na igreja para o povo crente.

O texto bíblico é Marcos 7.1-23. A passagem trata basicamente da censura de Jesus à tradição dos anciãos, ou seja, havia uma tradição histórica entre os judeus conhecida como tradição oral ou tradição dos anciãos, os líderes da religião judaica.

Essa tradição corria paralela com os escritos sagrados da Bíblia. Era a interpretação das Escrituras Sagradas feita pelos líderes religiosos. A interpretação deles era passada ao povo como sendo o sentido do que Deus queria dizer na revelação escriturística. Só que quase sempre a interpretação dos anciãos visava tão somente os interesses da classe religiosa.

O texto que estamos considerando, mostra essa turma religiosa observando tudo o que acontecia com Jesus e seus discípulos com o objetivo de criticar. Isso é próprio dos religiosos, estão sempre farejando defeitos ao redor. Eles não conseguem ver beleza, alegria, bondade; eles só percebem o que está errado aos seus olhos. E quase sempre tudo anda errado para eles. Isso é bem diferente daqueles que caminham com Jesus. A Bíblia diz: “Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes, nada é puro. Porque tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas” (Tt 1.15).

Pois bem, eles criticaram os discípulos por comerem sem lavar as mãos, porque eles tinham um ritual rígido de higiene antes de comerem. Jesus lhes disse que aquele zelo em nome de Deus era vão, não havia adoração a Deus nem coração no que faziam. Eram apenas doutrinas e preceitos de homens. Eles faziam isso “jeitosamente” para rejeitar a palavra de Deus e manterem suas tradições. Jesus deixou claro para eles que apenas ritos externos não têm nenhum benefício espiritual, o que importa mesmo é o que sai do nosso coração e não o que entre pela boca.

Mas, a questão chave para mim nessa passagem, está entre os versos 10 e 13. Aqui Jesus toma um exemplo entre tantos outros que poderiam ser dados para mostrar o contraste entre a palavra de Deus e a tradição religiosa. A Bíblia diz: “Honra a teu pai e a tua mãe; e: quem maldisser a seu pai ou a sua mãe seja punido de morte”. As Escrituras levam tão a sério essa questão de honrar pai e mãe, que no sistema judaico do Antigo Testamento, a morte era a punição para filhos rebeldes. Posso lembrar aqui de algumas passagens nesse sentido:

“Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de seu pai e à de sua mãe e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos, seu pai e sua mãe o pegarão, e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta, e lhes dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz, é dissoluto e beberrão. Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão até que morra; assim, eliminarás o mal do meio de ti; todo o Israel ouvirá e temerá” (Dt 21.18-21).

“Maldito aquele que desprezar a seu pai ou a sua mãe. E todo o povo dirá: Amém!” (Dt 27.16).

“Ouve a teu pai, que te gerou, e não desprezes a tua mãe, quando vier a envelhecer” (Pv 23.22).

“Os olhos de quem zomba do pai ou de quem despreza a obediência à sua mãe, corvos no ribeiro os arrancarão e pelos pintãos da águia serão comidos” (Pv 30.17).

Agora, vamos à questão. Com a conivência dos líderes da religião, os judeus estavam deixando de ajudar seus pais para entregarem suas ofertas no templo nas mãos dos sacerdotes. Eles faziam um voto de entregarem a Deus seus bens materiais, daí não terem como ajudar aos pais. Os religiosos diziam que o juramento do Corbã era irrevogável. Eles pegavam a letra da lei de que uma coisa consagrada a Deus era santíssima, ou seja, separada para Deus, para evitar ajudar aos seus pais. Jesus reprovou tal atitude, pois não havia necessidade de tal comportamento em detrimento dos pais.

Será que isso acontece hoje nas igrejas? É claro que sim. Mas isso não tem nenhum respaldo bíblico. Nenhum filho deve deixar de ajudar financeiramente seus pais porque tem que entregar seu dinheiro na igreja. Isso não deve acontecer. Já passou da hora de desmistificarmos o modo de contribuir financeiramente com a igreja. O Novo Testamento não regulamenta a quantia da contribuição. Ele não ensina que o dízimo é uma obrigação do crente na igreja. É uma pena que a cegueira espiritual e os interesses pessoais façam com que a igreja venha ao longo da história ensinando isso. Eu já não suporto mais ficar ouvindo falar que o dízimo é uma obrigação e que não entregar o dízimo torna o cristão maldito; que a causa das bênçãos na vida do crente é a fidelidade nos dízimos e que os problemas materiais é devido a falta de fidelidade nos dízimos.

A essa altura já deve ter crentes e pastores querendo esfregar Malaquias 3.8-10 na minha cara. É uma pena que só enxerguem esse texto em Malaquias. A causa de nossas bênçãos é o sacrifício de Jesus na cruz e sua ressurreição e não nossa fidelidade a Deus em dízimos e ofertas. Se é para praticar o dízimo como ensina o Antigo Testamento, tem que fazer como é ensinado lá, mas ninguém faz isso. É só ler o Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia). A verdade é que tudo é de Deus e nada é nosso. Por outro lado, tudo é nosso porque somos de Deus.

Mesmo sem usar o nome Corbã, os crentes estão praticando isso indevidamente. É claro que devemos contribuir com a obra de Deus na expansão do evangelho, que aqueles que pregam o evangelho devem viver do evangelho, os que recebem o alimento espiritual devem tratar com honra e apoiar devidamente seus pastores, e assim por diante. Mas isso deve ser feito com alegria, liberdade e sem definição de porcentagem.

O Novo Testamento não ensina o dízimo. O critério que a graça de Deus nos ensina é contribuir liberalmente. Zaqueu deu cinquenta por cento, a viúva pobre deu tudo, Maria ungiu Jesus com um perfume caríssimo, os crentes da Macedônia contribuíram com alegria mesmo sendo profundamente pobres. Deram-se ao Senhor e contribuíram acima de suas posses. É simples assim.

Usar o tradicional sistema do dízimo como um ponto de partida é um simples começo. Mas ficar restrito a isso fazendo continhas de centavos para entregar dez por cento da renda, é de uma pequenez e legalismo tão inadequados para o espírito do Novo Testamento que devemos repensar isso. Cuidado com o Corbã. Não deixe de ajudar seus pais por causa da igreja. Esse é seu dever (1Tm 5.8).

Antonio Francisco - Cuiabá, 9 de outubro de 2010 - Voltar para Um novo caminho.

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